Quando falávamos no país da bola, há alguns anos, era
impossível não pensar antes de mais nada em genialidade, talento ou
irreverência. Infelizmente, a realidade atual é outra. Foi-se o tempo.
Atualmente, quando ouvimos falar de Brasil, pensamos sem titubear em
desordem, corrupção e atraso.
Talvez o terceiro adjetivo citado acima seja o que
melhor define a atual conjuntura. Empresários e agentes tendenciosos,
diretorias amadoras, "cartolões" corruptos e conchavos suspeitos. Um sistema
quase absolutista que, no fim das contas, reflete dentro das quatro linhas do
território nacional.
Dentre inúmeros problemas e erros que acercam o
futebol no Brasil, um dos mais agravantes e notórios é a famosa e comum
política do treinador descartável. Esse tipo de tendência tomada pelo
amadorismo administrativo dos clubes brasileiros não é nenhuma novidade, mas
sim um velho e tradicional costume, que vem desde os primórdios do mundo da
bola no país. O espanto se dá levando-se em conta de que esta prática é cada
vez mais agravante, ano após ano.
Em pouco mais de meia temporada, dez dentre os considerados 12 gigantes já haviam trocado seus treinadores pelo menos uma vez.
Desses dez, cinco executaram duas trocas, ou seja, já obtiveram três treinadores
em apenas nove meses. Em média, um prazo de noventa dias de paciência, ou
melhor, impaciência cedidos para convencer, ou até menos, tal como a passagem
relâmpago de Ricardo Drubsky no Fluminense. Dois meses, oito joguinhos e um
frio adeus.
A falta de paciência e o peso da responsabilidade todo
jogado no colo de um indivíduo, a incoerência e a emoção frente à
razão dos dirigentes brasileiros podem ser a explicação dos atos
precipitados que deixam nosso progresso de lado, numa filosofia regada de ingenuidade. No Botafogo, Renê Simões fora
demitido após um vice-campeonato estadual extraordinário e deixando o alvinegro
na liderança da segunda divisão, caindo após uma sequência de jogos ruins e
apenas duas derrotas na série B, o principal foco da equipe na temporada. Como
resposta, o glorioso obteve mais três derrotas após a troca. No Internacional,
Diego Aguirre era mandado embora após conquistar o campeonato estadual, chegar
às semifinais da Libertadores por uma queda de produção no campeonato
brasileiro. Como consequência, uma goleada humilhante sofrida para o rival
Grêmio por cinco a zero, logo na rodada seguinte.
Mas o caso mais absurdo talvez tenha ocorrido há
aproximadamente dois meses atrás. Marcelo Oliveira, nome que levou o Cruzeiro
ao bicampeonato brasileiro, um título estadual e à histórica marca de clube com
mais pontos em uma edição do campeonato de pontos corridos, era mandado embora
após a eliminação na Libertadores e uma sequência ruim no nacional.
Embora números e fatos comprovem concretamente que o
treinador necessita de projeto, tempo e paciência para levar uma equipe a
resultados positivos, nada disso tem sido suficiente para que torcedores, dirigentes
e presidentes por todo o Brasil possam compreender essa realidade.
Na Inglaterra, o Manchester United manteve um único
treinador por duas décadas, o que levou o clube ao topo do mundo. Na Espanha,
Pep Guardiola permaneceu no Barcelona por quatro anos, ingressando o clube na
história com um dos times mais eficientes já vistos no esporte.
Em próprio território nacional, inúmeros trabalhos a
longo prazo vitoriosos podem ser observados. Oswaldo de Oliveira, levando o
Botafogo de volta à Libertadores após dois conturbados anos de trabalho; Abel
Braga, conquistando o tetracampeonato brasileiro com o tricolor das
laranjeiras; Tite, levando o Corinthians ao topo do mundo após diversas
especulações e ameaças no cargo. Após a eliminação precoce na pré-libertadores
para o Tolima, jornais já davam como certa a demissão do treinador do Parque
São Jorge. Mantido, ao fim do ano, era campeão nacional com o clube.
As claras evidências de que o trabalho a longo prazo é
o melhor caminho para o sucesso dos clubes, os passionais cartolas que gerem os
tradicionais clubes do nosso Brasil parecem querer ignorar a tudo e, não só
seguir a tradição de descartar treinadores, mas agravar ainda mais esse índice.
Na última temporada, até meados do mês de novembro,
eram 21 demissões computadas na primeira divisão nacional. Em 2015, próximo ao
fim de agosto, já eram 22 treinadores demitidos, ou seja, com três meses de
antecedência, a marca já foi atingida e ultrapassada.
Anos atrás, estávamos acostumados a contabilizar cerca
de vinte, trinta demissões nos primeiros meses de temporada. Na temporada
passada – ano da Copa do Mundo no Brasil – eram 130 profissionais mandados
embora em pouco mais de um mês de início de temporada. Neste ano, em menos de
um mês de torneios, já eram 50 nomes no olho da rua. Segundo pesquisas, o
futebol brasileiro demite, em três rodadas, mais que em toda a temporada
francesa.
A falta de paciência e entendimento dos torcedores,
amadorismo administrativo dos clubes e a emoção frente à razão nos aspectos em
que devem ser analisados e executados friamente num meio profissional podem
explicar os tão absurdos e vergonhosos números no país pentacampeão mundial.
Contratações sem um planejamento prévio, temporadas
sem objetivos concretos, clubes entregues ao “vamos ver no que dá”. Atos
amadoristas imperam no Brasil, gerando revolta, impaciência e indignação por
parte daqueles que carregam o futebol nas costas: os torcedores. Na menção de
resolver o problema provisória e rapidamente, cabe à diretoria – que também
pensa como torcida, pelo menos no Brasil – sacrificar e dar o puxar o gatilho
na direção daquele que mais próximo está: o treinador.
No Brasil, o fatídico atraso em relação ao futebol mais evoluído - especificamente o europeu - pode ser explicado pelo fato de que
dirigentes agem como verdadeiros torcedores nos papéis de dirigentes. É
como se chegássemos ao estádio, encontrássemos todos de terno e gravata nas
arquibancadas, anotando todas as estatísticas e analisando em silêncio à
partida. Seria um tanto estranho e, indiretamente, é o que ocorre nos
escritórios dos gerentes de clubes do futebol nacional, só que ao contrário.
Temos torcedores como dirigentes. Não há reflexão antes das atitudes tomadas, tampouco planejamento, metas ou objetivos. Resultado? O homem à beira do campo paga o pato.
Por fim, cabe a nós refletirmos sobre o que pensamos de
maneira generalizada. Tendemos sempre a atirar pedras na CBF e nos chefões da
entidade, mas esquecemos que, sozinhos, não estariam por lá. O problema
inicia-se naqueles que gerem os clubes, de maneira irresponsável e delinquente,
com boas ou más intenções. Vemos talentos desperdiçados, joias sendo
enferrujadas, clubes endividados, gigantes tradicionais afundando e,
consequentemente, treinadores trabalhadores no lixo, como meros copos
descartáveis. Busquemos, ao menos, reciclá-los, se é que me entendem.
Sabe-se lá aonde pararemos. Temamos 2016.